Educação: “Busca do bem é chave para o sucesso”

Na visita a Bolonha, por ocasião do encerramento do Congresso Eucarístico Diocesano, o Papa quis encontrar-se com o mundo da educação e da Universidade.

Leia, na íntegra, a intervenção do Papa Francisco:

Caros amigos

Estou contente por poder compartilhar este momento convosco e agradeço, cordialmente, as palavras do reitor e do estudante. Não poderia vir a Bolonha sem me encontrar com o mundo universitário. A Universidade de Bolonha tem sido um laboratório de humanismo ao longo de quase mil anos: aqui o diálogo com as ciências inaugurou uma era e moldou a cidade. Por esta razão, Bolonha é chamada a "douta”: é douta mas não presunçosa, muito graças à Universidade, que permaneceu sempre aberta, educando cidadãos do mundo e recordando-lhes que a identidade a que pertencem é aquela da casa comum, a universitas.

A palavra universitas contém a ideia do todo e da própria comunidade. Isto ajuda-nos a fazer memória da origem – e como é precioso cultivar a memória -  daqueles grupos de alunos que começaram a reunir-se à volta dos mestres. Dois ideais os persuadiram, um “vertical”: não se pode viver de verdade sem elevar a mente ao conhecimento, sem o desejo de apontar para o alto; e a outra "horizontal": a pesquisa deve ser feita em conjunto, estimulando e compartilhando os bons interesses comuns. Aqui está o caráter universal, que nunca tem medo de incluir. Testemunham-no seis mil brasões multicolores, cada um dos quais representando a família de um jovem que veio aqui para estudar e não só de muitas cidades italianas, mas de muitos países europeus e até mesmo da América do Sul! A vossa Alma Mater, e a de todas as universidades, é hoje chamada a procurar aquilo que une. O acolhimento que reservais aos estudantes de proveniências por vezes tão distantes e de difíceis situações é um belo sinal: Que Bolonha, um cruzamento secular de encontros, de confronto e relações, e, nos últimos tempos, o berço do projeto Erasmus, possa sempre cultivar esta vocação!

Tudo aqui começou à volta do estudo do direito, testemunhando que a universidade na Europa tem as raízes mais profundas do humanismo, nas quais as instituições civis e a Igreja, nos seus papéis distintos, contribuíram. O próprio São Domingos ficou admirado pela vitalidade de Bolonha e pelo grande número de estudantes que aqui ocorriam para estudar direito civil e canónico. Bolonha com o seu Studium soube responder às necessidades da nova sociedade, atraindo estudantes desejosos do saber. São Domingos encontrou-os com frequência. De acordo com uma narrativa, houve mesmo um aluno, que impressionado com o seu conhecimento da Sagrada Escritura, o questionou sobre por que livros havia estudado. A nota de resposta de Domingos é bem conhecida: "Estudei no Livro da Caridade mais do que em outros; na verdade, este livro ensina todas as coisas".

 

A busca do bem é, de facto, a chave para o sucesso nos estudos; O amor é o ingrediente que dá sabor aos tesouros do conhecimento e, em particular, aos direitos do homem e das pessoas. Com este espírito, gostaria de propor três direitos, que me parecem atuais.

1. Direito à cultura. Não estou apenas a referir-me ao sacrossanto direito a todos terem acesso ao estudo - em tantas áreas do mundo, tantos jovens são privados dele -, mas também ao facto de que hoje, especialmente, o direito à cultura significar tutelar a sabedoria, isto é, um conhecimento humano e humanizador. Muitas vezes a vida é condicionada por padrões de vida banais e efémeros, que promovem o sucesso de baixo custo, desacreditando o sacrifício, inculcando a ideia de que o estudo não serve senão resultar logo em qualquer coisa de concreto. Não, o estudo serve para fazer perguntas, para não ser anestesiado pela banalidade, para buscar o significado na vida. Trata-se de reivindicar o direito de não prevalecer estas tantas sirenes que hoje nos distanciam desta pesquisa. Ulisses, para não ceder ao canto das sereias, que fascinavam os marinheiros e os atiravam contra as rochas, amarrou-os ao mastro do navio e tapou os ouvidos dos companheiros de viagem. Pelo contrário Orfeu, para contrastar com a música das sereias, fez outra coisa: Entoou uma melodia mais bonita, que encantou as sereias. Aqui está a vossa grande tarefa: responder aos rituais paralisantes do consumismo cultural com escolhas dinâmicas e fortes, com pesquisa, conhecimento e partilha.

 

Ao harmonizar na vida esta beleza custodiareis a cultura, aquela verdadeira. Porque o conhecimento que se coloca ao serviço do melhor proponente, que vem a ser combustível que alimenta divisões para justificar atropelos, não é cultura. Cultura - diz a palavra - é o que cultiva, o que faz crescer o humano. E diante de tanto lamento e clamor que nos rodeia, hoje não precisamos de alguém que esteja a gritar, mas de quem promova boa cultura. Precisamos de palavras que alcancem as mentes e disponham os corações, não daquelas que vão diretamente ao estômago. Não nos contentamos em receber o apoio da audiência; não sigamos os teatros da indignação que muitas vezes escondem grandes egoísmos; Dediquemo-nos com paixão à educação, isto é, a "tirar para fora" o melhor de cada um para o bem de todos. Contra uma pseudocultura que reduz o homem a um desperdício, à pesquisa cientifica e técnica assente em interesses, afirmemos juntos uma cultura que coloca no centro a humanidade, uma pesquisa que reconhece méritos e premeia sacrifícios, mas uma técnica que não se dobra perante os interesses mercantilistas, um desenvolvimento onde nem tudo o que é conveniente é licito.

2. Direito à esperança. Tantos hoje que experimentam a solidão e a inquietação, sentindo o ar pesado do abandono. Hoje é necessário dar este direito à esperança: é o direito de não ser invadido diariamente pela retórica do medo e do ódio. É o direito de não ser dominado pelas frases feitas pelos populismos ou pela raiva perturbadora e lucrativa das falsas notícias. É o direito de ver um limite razoável na crónica negra, porque até a "crnica branca", muitas vezes silenciosa, tem voz. É o direito de ´vós jovens se libertarem do medo do futuro, saberem que existem belas e duradouras realidades na vida, pelas quais vale a pena envolver-se. É o direito a acreditar que o verdadeiro amor não é "usar e deitar fora" e que o trabalho não é uma miragem a alcançar, mas uma promessa para cada um, que necessita de ser mantido.

 

Como seria belo que as salas de aulas da universidade fossem canteiros de esperanças, oficinas onde se trabalha por um futuro melhor, onde se aprenda a ser responsável de si e do mundo! Sentir a responsabilidade pelo futuro da nossa casa, que é uma casa comum. Às vezes, o medo prevalece. Mas hoje estamos a enfrentar uma crise que também é uma ótima oportunidade, um desafio à inteligência e à liberdade de cada um, um desafio a ser recebido para ser artesãos da esperança. E cada um de vós pode tornar-se um, para os outros.

3. Direito à Paz. Também isto é um direito, e um dever, inscrito no coração da humanidade. Porque "a unidade prevalece sobre o conflito" (Evangelii gaudium, 226). Aqui, nas raízes da Universidade Europeia, gostaria de lembrar que este ano foi comemorado o 60º aniversário dos Tratados de Roma, o início da Europa unida. Após duas guerras mundiais e atrocidades contra os povos, a União nasceu para proteger o direito à paz. Mas hoje muitos interesses e não poucos conflitos parecem fazer desaparecer a grande visão da paz. Experimentamos uma fragilidade incerta e a dificuldade de sonhar em grande. Mas, por favor, não tenhamos medo da unidade! A lógica do particular e nacional não anulou o sonho dos valentes fundadores da Europa unida. E não me refiro apenas aos grandes homens de cultura e de fé que deram vida ao projeto europeu, mas também aos milhões de pessoas que perderam a vida porque não havia unidade e paz. Não percamos a memória disto!

Cem anos faz já o grito de Bento XV, que foi bispo de Bolonha, e que definiu a guerra como “um inútil massacre” (Carta aos Chefes dos povos beligerantes, 1 de agosto de 1917). Dissociar-se das chamadas "razões de guerra" parecia a muitos ser quase uma afronta. Mas a história ensina que a guerra é sempre e apenas um massacre inútil. Juntemo-nos, como afirma a Constituição italiana, para "repudiar a guerra" (cf. artigo 11), buscar formas de não-violência e caminhos de justiça que promovam a paz. Porque diante da paz não podemos ser indiferentes ou neutros. O cardeal Lercaro disse aqui: «A Igreja não pode ser neutra diante do mal venha dele de onde venha; a sua vida não é neutralidade, mas a profecia» (Homilia, 1 de janeiro de 1968). Nunca neutros, mas alinhados para a paz!

Por isso invocamos o ius pacis, como o direito de todos elaborar conflitos sem violência. Para isso repetimos: nunca mais a guerra, nunca mais contra os outros, nunca mais sem os outros! Tragamos à luz os interesses e as tramas, por vezes obscuras, de quem fabrica a violência, alimentado a corrida aos armamentos e atropelando a paz pelos seus negócios. A Universidade nasceu aqui para o estudo do direito, para a busca do que defende a pessoa, regula a vida comum e protege da lógica dos mais fortes, da violência e do arbitrário. É um desafio presente: afirmar os direitos das pessoas e dos povos, dos mais fracos, dos que são descartados, e do criado, nossa casa comum.

Não acreditar em quem diz que lutar por isto é inútil e que nada vai mudar! Não se conformem com sonhos pequenos, mas sonhai em grande. Vós, jovens, sonhai em grande! Eu sonho também, mas não só enquanto durmo, porque os verdadeiros sonhos estão abertos à luz do dia e levam-se por diante perante a luz do sol. Vou renovar convosco o sonho de «um novo humanismo na Europa, servido de memória, coragem, sã e humana utopia»; de uma mãe Europa, que «respeita a vida e oferece esperança de vida»; de uma Europa «onde os jovens respirem o ar limpo da honestidade, amando a beleza da cultura e de uma vida simples, não inquinada pelas infinitas necessidades do consumismo; onde casar e ter filhos é uma grande responsabilidade e alegria, não um problema dado a falta de um emprego suficientemente estável» (Discurso para a atribuição do Prémio Carlomagno, 6 de maio de 2016). Sonho uma Europa "universitária e mãe" que, fazendo memoria da sua cultura, infunda esperança nas crianças e seja instrumento de paz para o mundo. Obrigado.

Tradução: Educris a partir do original italiano

Educris|02.10.2017



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