Homenagem a D. António Marcelino "«Não morro nem que me matem"

Quantas vezes ouvi eu esta frase a D. António Marcelino! Dita com garra, convicção, inquietude, fé!

Tê-la-ia ouvido num contexto de escola católica – quiçá, a grande paixão da sua vida! – mas aplicava-se a tudo por onde andou: educação, família, comunicação social, ação sócio caritativa, etc.

Um homem desta estirpe realmente nunca morre, mesmo que a doença ou as contingências existenciais o matem. Ele deixa ensinamentos, estilos e testemunhos de vida que nos penetram e marcam o nosso caminhar.

A educação católica em Portugal acaba de perder, se não o maior, pelo menos um dos seus mais ilustres defensores e promotores. Ainda antes de ser prelado, D. António, sob a inspiração do seu bispo, D. Agostinho de Moura, foi um apaixonado pela Escola Católica. Relembro bem este episódio vivenciado por ele, em pleno período revolucionário sequente ao 25 de abril, e que me contou há tempos:

«Vivi de perto o assalto e o estrangulamento dos colégios ou escolas católicas da Diocese de Portalegre e Castelo Branco que teve o seu auge de ódio e de loucura em Proença-a-Nova. Uma escola construída de raiz que levava já então os alunos até ao ensino superior. Assaltada por militares que a guardavam armados, dentro e fora da escola, obrigando os professores a dar aulas. Fui lá com o Vigário Geral porque o Bispo estava no estrangeiro. Dirigi-me ao quartel dos bombeiros onde estavam os chefes militares da célebre V Divisão. Apresentamo-nos a um oficial miliciano, porque estava ausente o célebre capitão Calvinho que chefiara o assalto. De modo direto perguntei: ‘Em nome de quê ou de quem se assalta uma escola que serve o povo e não pertence ao Estado’ – ‘Em nome de quê, seu fascista, pois em nome da revolução. Você merecia era já levar um tiro para se calar’. Estava armado. Aproximei-me dele e retorqui: ‘Pois se a revolução é para assaltar e destruir o que serve o povo, sem respeito por nada e por ninguém que o tem sempre defendido e ajudado a promover, eu sou mesmo fascista. Não perca tempo, atire e mate se for capaz.’ E fiquei à frente dele. Baixou a arma e virou-me as costas».

Como bispo, como cristão, D. António Marcelino sempre acreditou que as escolas católicas são um meio privilegiado de evangelização da juventude e das suas famílias. E sofria quando sentia alguma desconfiança a este respeito, sobretudo se ela advinha de setores ligados à Igreja. Por isso lutou, com entusiasmo, para que as escolas católicas fossem fiéis à sua (extraordinária) missão apostólica, tivessem diretores e professores enformados pela antropologia cristã. Por isso lutou para que as escolas trabalhassem em cooperação, em comunhão, potenciando sinergias. Ele bem sabia que nada disto era fácil, mau grado estarmos a falar de estruturas eclesiais. Ele bem sabia que, infelizmente, as escolas católicas, apesar de ministrarem ensino e educação de qualidade, também enfermam dos pecados da Igreja. Mas nunca desistiu. Mesmo quando se resignou, em 2006, D. António aceitou integrar a Comissão Episcopal de Educação (e Doutrina da Fé) ficando com a responsabilidade direta das escolas católicas. E era vê-lo, com a sua provecta idade, a dirigir reuniões e programas e projetos e sonhos e inquietações. Até aos 83 anos.

A Igreja, as escolas católicas e muitíssimas pessoas aprenderam imenso com D. António. Eu próprio tive o privilégio de o ter como amigo e de colher muitos ensinamentos e conselhos que têm afetado a minha vida.

Mas D. António não morreu. Não era ele que dizia «não morro nem que me matem»? A doença matou-o, mas ele vive e continua no Céu o seu ministério episcopal, porque nos continua a “vigiar”. Obrigado, Senhor D. António Marcelino, por uma vida cheia de anos, e anos cheios de vida!

 

Jorge Cotovio

Secretário da Associação Portuguesa das Escolas Católicas

 



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