Sofia Lorena: Precisamos de sentir-nos parte da comunidade

Há margem da sua participação e testemunho no V Encontro Nacional do Ensino Secundário (VENES) Sofia Lorena falou da sua paixão por “conhecer pessoas”, “tocar e sentir-se tocada pelas suas histórias”, do modo como este tipo de jornalismo “entrou na sua vida” e a consciência “do sentido de missão” fruto de uma ideia que a acompanha: “estou aqui por um motivo”.

Numa pequena entrevista a jornalista do Público abordou os temas quentes da atualidade no Médio oriente, a crescente radicalização da região, os cristãos perseguidos, os jovens que se juntam ao estado islâmico, e a certeza de que para ajudar os refugiados em Portugal “são necessários apenas pequenos gestos de solidariedade”.

Educris.com: Antes de mais Sofia agradecer-te o testemunho e mais este tempo que te ‘roubamos’ para os nossos leitores.

Sofia Lorena: Eu é que agradeço a oportunidade de aqui vir. Acredito mesmo que o meu trabalho só fica completo com os testemunhos que dou. Muitas vezes sou convidada por universidades e fico com pena porque os adolescentes/jovens já conseguem perceber a importância destes temas.

Educris.com: A hora que tiveste com os alunos de EMRC pareceu curta para eles e para ti. Como se pode ajudar os refugiados que chegam a Portugal?

Sofia Lorena: Nós somos pessoas e como tal temos poder! Muitas vezes são coisas simples e não temos noção disso. Existem ‘chefs’ que organizam jantares para angariar fundos para os refugiados. Outras famílias aceitam refugiados em sua casa. Outros arranjam pequenas bolsas para eles. Pequenos gestos conseguem mudar tudo.

Educris.com: Há quanto tempo és jornalista e porquê um jornalismo de “refugiados e guerra”?

Sofia Lorena: Sou jornalista desde 2001. Comecei a estagiar no Público meses após o 11 de setembro. Nessa altura, por acaso, inscrevi-me num curso de árabe e cultura. Comprei todos os livros disponíveis. Foi algo natural. Escrevi sobre o Afeganistão e depois o Iraque. Passei todas as minhas férias, dos últimos 10 anos, nesta zona do mundo. Queria escrever sobre estes temas. Nunca procurei o jornalismo de guerra. Mas isso foi acontecendo a par de manifestações e revoluções a que assisti como na Síria, Tunísia e Egito. A curiosidade ia crescendo. No fundo o que quero muito é ir aos sítios, mergulhar na vida das pessoas, conhecer as realidades.

Educris.com: É um gosto que tens pela humanidade que conseguimos absorver na forma apaixonada como há pouco falavas com os alunos…

Sofia Lorena: Acredito que estou cá para conhecer pessoas para tocar e ser tocada pelas pessoas. Percebi que posso fazer aquilo que me faz feliz e trabalhar ao mesmo tempo.

Educris.com: É uma espécie de vocação?

Sofia lorena: Sim (sorrisos). Pode dizer-se que sim. Às vezes nós jornalistas somos, como sabes, um pouco adversos ao termo. Mas sim! Eu acredito que estou cá por um motivo! Vocação no sentido em que não vejo o meu trabalho como outro qualquer. Vejo o meu trabalho como uma espécie de missão. É paixão. É o querer como missão. Quero ir aos sítios conhecer pessoas e trazer estas histórias a outras pessoas para que saibam que não somos assim tão diferentes independentemente das situações. As situações que conto podem ser as nossas amanhã.

Educris.com: Depois de tantos anos no próximo oriente como vês a ascensão deste tipo de extremismo, mais própria do século XII do que do século XXI e, em teu entender, porquê a passividade das organizações ocidentais.

Sofia Lorena: Por um lado há pessoas que vivem como se estivéssemos no século XIII ou XIV. Existem várias explicações para o fenómeno. Faz-me muita confusão a quantidade de jovens que parte para combater ao lado destes grupos radicais. Eu estive nos bairros dos autores dos atentados de Paris e existe um lado difícil de descrever. Penso que estas terceiras e quartas gerações não tem os objetivos dos seus pais e avós que vieram para a Europa para trabalhar de modo a dar mais condições de vida aos seus filhos, para que pudessem estudar, e mesmo enviar dinheiro para os que lá ficaram.

Educris.com: Ganha particular destaque a França e estes subúrbios intermináveis de quase ‘expatriados’…

Sofia Lorena: Sim sim! Dou-te o exemplo de França onde a questão da laicidade se tornou uma obsessão. É uma palavra usada para tudo e por todos e já ninguém sabe o que quer dizer. O que é a laicidade: a separação entre a religião e o estado ou a proibição de levar uma bandeira Síria para uma manifestação em memória das vítimas do Charlie Hebdo? O que acontece é que se caiu num extremismo que passa para os mais novos. Dizem-lhes que eles já não são franceses porque são filhos e netos de imigrantes mas, por outro lado, também já não são marroquinos ou argelinos ou qualquer outra coisa. Eles nasceram noutro contexto, é um pouco como os nossos retornados quando voltaram a Portugal nos anos setenta. Não são de um lado mas também não são do outro e encontram-se numa situação muito dúbia e, por isso, muito vulnerável a estes extremistas.

Educris.com: Como se pode resolver então a questão?

Sofia Lorena: A radicalização acontece porque a formação religiosa não é adequada. Muitos destes miúdos, nestes países, não tem acesso ao Imã que tem bom senso e que partilha com eles a verdadeira religião. Por outro lado estes grupos utilizam a internet, que tem coisas muito boas e outras que a gente sabe, para passar uma mensagem que recruta miúdos que escreverem coisa no facebook  do tipo: ‘ninguém me entende’. Isso é um isco para recrutar estes miúdos porque se lhes dá um lugar, uma esperança que eles aqui não tem já.

Educris.com: O Estado Islâmico parece perito na arte das redes sociais…

Sofia Lorena: O atual estado Islâmico nasce assim. É uma radicalização que nasce como resposta aos ataques americanos e que visa, em primeiro lugar, proteger as populações. Mas depois vem a questão do poder, do querer expandir e recuperar ideias antigas. O Médio oriente é um mosaico civilizacional e de religiões que ali habitam há milénios. Quando se exterminam as diversas realidades, consegue-se uma uniformização. Temos a tendência de lhes chamar loucos. Se o fossem era muito mais fácil detê-los e derrotá-los. Eles não são loucos, eles são criminosos, muito bem organizados e tem uma ideia muito concreta: conquistar território. Apanham miúdos perdidos que não se sentem identificados com o que os rodeia e veem ali uma oportunidade barata de recrutamento. Isto acontece porque muitos acham que vão ajudar. Olha a raparigas europeias. Elas vão para ajudar quem sofre e quando lá chegam percebem o que vai acontecer. São dadas como esposas dos soldados.

Educris.com: Esta brutalidade a que assistimos não a víamos na Al-Qaida por exemplo…

Sofia Lorena: Sim, a “Al-Qaida” não eram tão bárbaros. Este tipo de extremismo é como é porque usam as ferramentas e os media que os jovens usam. Assim chegam a tanta gente. Eles são desta geração. Cresceram com os twitters e com os facebooks. Estão onde os jovens estão e assim chegam a mais pessoas.

Educris.com: Um sociólogo Francês, aquando dos ataques ao Charlie Hebdo falava de um choque de civilizações. O primeiro-ministro Francês de então afirmou que não se tratava de um choque de ciclizações. Tendes a concordar com quem?

Sofia Lorena: Estou a meio caminho. É perigoso falar de um choque de civilizações porque isso nos faz olhar para as coisas com consequências negativas. Penso que não existem assim tantas diferenças entre as duas mundividências. Tenho sempre medo que esta terminologia nos faça perder a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro. De entendermos o porquê do outro ter chegado onde chegou. Por outro lado penso que muitos de nós, na Europa andamos um pouco perdidos. Nesse sentido estamos a vaguear espiritualmente sobre o porquê de vivermos como vivemos em comunidade, o porquê de termos estas festas, esta identidade. Muitos destes miúdos não iriam atrás dos radicais se se sentissem pertencentes à comunidade. Todos nós, seres humanos, precisamos de algo que nos torne comunidade, e quando não se sente isto estamos mais vulneráveis a esta gente que quer o poder pelo poder, a conquista do território.

Educris.com: Obrigado Sofia e até à próxima viagem!

Sofia sorri, agradece e sai pela porta do Castelo de Leiria rumo a nova aventura. Da próxima vez mais de 1400 estarão à espera de mais uma história de "pessoas para pessoas" da jornalista que sonha "tocar e contar vidas".

 

 



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