Porto: "A interioridade é a maneira de viver humanamente"
«A interioridade como paradigma educativo» levou ao Porto, na manhã deste sábado, dia 29 de abril, cerca de centro e cinquenta agentes educativos de trinta escolas católicas portuguesas. A especialista em interioridade Elena Andres, apresentou o projeto que desenvolve “acerca de 17 anos” em Espanha e sustentou que “em todas as culturas humanas a interioridade é essencial para cada um se entender como pessoa consigo e para os outros”.
“Tem sentido falarmos de interioridade quando vemos um mundo tão doente? Tem sentido estarmos aqui quando tudo parece resumir-se a um descarregar de aplicações móveis e desfrutar de toda a técnica à nossa disposição?”, questionou Elena Andres.
Para a autora “não só tem sentido como é o sentido de tudo”:
“Se não recuperamos a capacidade de contextuar a nossa dimensão interior tudo o mais se vai converter numa luta de poder, de sobrevivência, do ego” que não é, “necessariamente mau porque não podemos viver diariamente sem o ego, um eu, um pessoal que diferencie dos outros”.
No início da sua apresentação a conferencista afirmou que “não podemos ser o que somos chamados a ser sem voltarmos a olhar para o nosso interior” e recordou que ao longo da história da humanidade, “em todas culturas e tradições que olharam para o interior”, aconteceu a descoberta “do amago e o sentido da existência”.
Partindo da experiência de interioridade de santo Inácio de Loyola, Elena Andrés afirmou que “no século XVI Inácio percebeu que para compreender Deus e entender o que o rodeia necessita recolher-se dentro de si mesmo” para o “ele próprio deixe, como nos diz um autor do século XIV, de ser para si o grande mistério de si mesmo”.
Deste modo voltar ao “seu centro” implica, em ultima análise, “voltar a Deus” sendo este “um voltar a olhar para o nosso interior, voltar a ser pai e mãe de si, de modo a propiciar o encontro com Deus.”
Para ser possível, num mundo plural, a redescoberta do interior humano é fundamental que “a escola esteja atenta e atuante perante a complexidade cultural, social, politica e económica”, numa clara alusão ao espirito do Concilio Vaticano II que pedia à Igreja uma atenção redobrada aos “sinais dos tempos”.
A especialista lembrou que este trabalho “tem muito sentido no mundo atual porque a crise do sistema neo-liberal” conduziu o ser humano à “perda do sentido da interioridade”.
Educar a Interioridade: Caminho gratuito, não forçado
Situando a educação para a interioridade como “uma busca pessoal pelo mais profundo de mim” a docente afirmou que este projeto deve “pressupor a gratuidade” não se constituindo, à priori, como um “conjunto de aprendizagens que permitem o ser humano voltar a Deus ou formatar cristãos” mas tentar criar “as condições de possibilidade para que a pessoa se abra ao profundo da vida, ao profundo se si mesmo, do alteridade, as relações vividas com profundidade, e que possa, no final e se Deus o quiser, abrir-se a Deus”.
Para Elena Andrés uma tentação das escolas católicas passa por “não estar ainda no tempo presente” e continuar a trabalhar a dimensão religiosa partindo “de pressupostos que já não existem no ocidente”. Daí ser urgente “preparar o lugar interior de cada um” pois se este “não está preparado o anúncio que fazemos de Deus cai em saco roto”:
“O nosso trabalho tem de ser como que água suave que empapa a terra e não como a pedra que esmaga”.
Uma pastoral de caminho
Consciente das mutações dos últimos séculos a especialista convidou as escolas católicas a predisporem a sua forma de fazer pastoral educativa deixando de lado “a tentação de controlar tudo”. Um dos ganhos do processo de personalização foi, na sua opinião, a ascensão do individuo, único e irrepetível. Deste modo “devemos deixar de lado os muitos mapas e rotas que fomos criando no processo de educar a interioridade e aceder a Deus” para, lado a lado com as novas gerações, reaprendermos “o valor do caminhar juntos partindo da gratuidade de cada um e deixando que Deus seja Deus”.
Objetivos da Interioridade: Facilitar processos de identidade pessoal
“Facilitar processos de unificação da pessoa” através da “construção da unidade com os outros, com o mundo e com Deus” foram apresentados como dois dos “objetivos da interioridade”.
Elena Andrés sustentou que “trabalhar a interioridade nas escolas pressupõe dotar os alunos de um conjunto de ferramentas que lhe vão servir para o futuro como pessoas”:
“Trabalhar a interioridade é dotar os alunos de autonomia. Mas uma autonomia longe do individualismo da sociedade ocidental. Um dos frutos disto é a incapacidade de diálogo, de considerar sempre os outros como errados ou mentirosos. É urgente voltar a estabelecer o diálogo enquanto caminho a verdade. Eu a ofereci, tu acolheste-a e devolveste a mim. Construir a unidade tem a ver com saber dialogar”.
A iniciativa formativa para escolas católicas foi uma parceria entre o Secretariado Nacional da Educação Cristã (SNEC) e a Associação Portuguesa de Escolas Católicas (APEC). No total cerca de 300 agentes educativos, de 80 instituições de ensino católico participaram nas duas sessões de formação.